sábado, 24 de setembro de 2016

Capítulo 65 - Dias Nublados.

     
         A dor na nuca parecia uma pontada, como se um prego gigante estivesse perfurando meu pescoço e que dois sacos de areia estivessem sob meus olhos os impedindo de abrir. 
  
   Lentamente consigo abrir os olhos e me deparo com o teto de gesso branco e as luzes incandescentes fazem meus olhos doerem, a dor reverbera por toda minha cabeça e o meu corpo, que  está tão mole quanto uma gelatina.

- E bom vê-la acordada - Diz uma voz baixinho e serena ao meu lado, logo uma figura de cabelos grisalhos  para a minha frente me permitindo vê-la. - Sou a Doutora Rose e ficarei com você esta noite - A encaro, tento falar algo mas a dor  na cabeça é tão forte que desisto da ideia. - Está segura senhorita Richards estamos no polo das fronteiras. - Fala numa tentativa de instalar paz em mim e a encaro, tento refazer meus passos, recobrar a consciência e lembrar da minha estadia anterior, estava no prédio do cativeiro, tinha um bebê dormindo esperando ser resgatado e de repente tudo se fez escuro. - Qual é o seu nome ? - Ignoro a pergunta, por que não consigo me lembrar ? Otto... Onde está Otto ? - Senhorita consegue falar ?

- Onde está o agente Brown ?

- Nesse momento em reunião com os membros do conselho.

- A quanto tempo chegamos ?

- A quinze horas senhorita, diga-me seu nome.

- Aurora Richards, como vim parar aqui ?

- O agente Brown a trouxe. Onde mora ?

- Lori. - Sinto minha cabeça rodar e voltar a pesar, não consigo levantar.

- Levou uma pancada forte na cabeça e os analgésicos estão fazendo efeito, é normal se sentir tonta. Descanse um pouco a comandante Breslau logo chegará e...

- Quero ver o agente Brown. - Exijo a interrompendo. 

- Descanse senhorita.

- Agora! - Ouso berrar mas minha voz não sai tão alta quanto desejo, a única coisa que consigo são mais dores, no fim das contas a médica me deixa sozinha no quarto com minhas tonturas e mesmo que não queira, mesmo que lute insistentemente  contra o sono o cansaço me domina e volto para o escuro antes de vê-lo.


       Uma voz grave faz meus neurônios voltarem a se reconectar, a ouço como se estivesse no final de um corredor, o tom aumenta repentinamente me trazendo para fora do escuro, cada vez mais perto, cada vez mais alto, reconheço a voz, é Otto. 

-  Foi bem intenso - Diz voltando a  baixar o tom da voz -  Acho que matei duas pessoas - Confessa em segredo, tento abrir os olhos mas não consigo, não consigo levantar o braço e retirar os sacos de areia de cima dos meus olhos, estou presa em meu próprio corpo. -Talvez minha conduta me deixe fora de combate por um tempo mas não sabia o que fazer, estava com tanta raiva  minha estrela... - Sinto seus dedos quentes sob minha bochecha fria, não consigo abrir os olhos. - Entenderei se não quiser namorar um assassino mas... - Tento novamente, a intensidade das luzes  incandescente me atingem com força me fazendo lacrimejar, lentamente abro os olhos e o encontrando encarando minhas mãos, sinto seus dedos quentes passeando por meus dedos, fazendo carinhos em minha mão esquerda tão fria. - Perdoe-me por deixar aquele vagabundo agredi-la, perdoe-me por causar dor em você,  se eu pudesse voltar atrás....

- Faríamos exatamente o que fizemos hoje. - Respondo baixinho. - Obviamente não podemos voltar no tempo e corrigir as coisas, se pudéssemos não aprenderíamos nada depois, é o passado que nos torna quem somos não podemos mudá-lo mas podemos aprender com ele.

- A quanto tempo está acordada ?

- Tempo suficiente para ouvir que sou namorada de um badboy.

- Não faça chacotas com isso senhorita, não está em condições.

- Estou sempre em condições para fazer chacotas senhor Brown, mesmo sentindo um leve incômodo na mente.

- A doutora Rose disse que o remédio poderia causar tontura...

  - E eu ouvi quando ela disse - Digo o interrompendo. - Senti sua falta.

- E eu a sua - Diz me encarando, com delicadeza ele planta um beijo molhado no centro da minha testa e em seguida em meus lábios - Cheguei a uma decisão hoje mais cedo.- Fala baixinho como se estivesse sussurrando.  

- E qual seria ? - Pergunto no mesmo tom. 

- Você nunca mais vai pra combate.

- Discutiremos isso quando eu estiver em condições de argumentar. - Digo baixinho. -  O que aconteceu com o bebê que estava comigo ?

- A pessoa que a agrediu atirou nele antes de fugir.

- E ele tá bem ?

- Ele morreu Aurora. - Aquelas palavras promovem um frio dentro de mim, que se converte em indignação, quem mataria um bebê ? Que pessoa desumana seria essa capaz de fazer uma barbaridade de tal tamanho ?

- E os outros bebês ? - Pergunto baixinho com medo da resposta. 

- Os que vocês retiraram do prédio estão na enfermaria e os outros... Nem todos conseguiram ser salvos.

- O que quer dizer ? O que impediu os agentes de... 

- O prédio explodiu - Diz me cortando. - No momento em que Thália e eu retirávamos crianças pelas portas principais.

- Thalia morreu ?

- Não.

- Ah.

- Mas muitos agentes e crianças morreram.

- Vocês conseguiram encontrar Charlie ?

- Sim, conseguimos  encontrar o Charlie.

- Ele estava dentro ou fora do prédio quando explodiu ? - Pergunto tentando controlar o frio na barriga, não posso falhar com Ashe, não da mesma maneira que falhei com Tina.  

- Fora. - Diz Otto baixinho fazendo meus tremores passarem, não sabia que estava tremendo até ele apertar meus dedos. 

- Ele ta aqui ?

- Esta.

- Ele ta bem ?

- Não Aurora, ele não ta bem.   


   Não sei como ou quando, o momento que cai no sono se perdeu dentro do oceano de confusões que se tornou minha mente, mas lembro de sentir os lábios dele em meu rosto quando me deixou a sós no quarto e lembro de ser acordada com o barulho da porta sendo batida com força. 

    Quando voltei a abrir os olhos devagar vi Tia Sara usando o uniforme do GOECTI e caminhando até mim, a cama abaixou lentamente quando ela sentou ao meu lado e as mãos frias tocaram meu braço. 

- Estou suja. - Digo baixinho, sei o que ela está pensando e sei que assim como Otto ela ficou com medo de que a morte viesse para mim antes da hora.

-Você está viva. 

-Acabai de chegar de uma missão e não tomei banho, estou suja Tia Sara não me toque. - Mas ela ignora e me abraça da mesma forma

-Não faça questão por besteira gatinha, você nos deixou assustados sabia ? 

-Só desmaiei, o que tem susto nisso ? - Digo tentando dar de ombros. 

-Você seria agredida até a morte. 

-Eu tô bem. - Sorriu amarelo. 

- Você não toma jeito. 

- Conseguiram prender os chefes da quele lugar asqueroso ?

- Quatro deles, todos os dos retratos falados inclusive a mulher que você havia mencionado. 

- "Quatro deles" E quantos eram ? 

- O agente Persen afirma serem cinco, nem o agente Brown nem a agente Farzone conseguiram capturar a pessoa que a surpreendeu então deduzimos que ele seja o quinto elemento. 

- Então ainda estamos caçando ? 

-Não, nós estamos casando, você foi dispensada. 

-Não pode me dispensar. - Digo indignada, não é justo, só porque cai não significa que estou inútil, eu posso lutar, eu consigo. 

- Posso e vou, sua missão era estourar o cativeiro salvar os jovens e nos guiar até as pessoas que a sequestraram, você fez a sua parte. 

-Não pode me descartar como se eu fosse um copinho de plástico Tia Sara.

-Mas não irei admiti-la numa corporação responsável sem o mínimo de treinamento.

-Jason me...

-Não, ele não fez, você precisaria fazer o treinamento do GOECTI com aulas e professores e testes, só me mostrou o quão irresponsável fui em mandá-la numa missão desse nível sem preparação. 

-Eu estava preparada.

-Se estivesse teria percebido quando se aproximaram por trás e renderam-na. - Tento engolir as lágrimas mas é inevitável.  - Quando terminar o ensino médio vai pegar suas coisas e se inscrever para qualquer faculdade do mundo, quero você o mais longe daqui possível, você vai se tornar uma advogada e protegerá as pessoas mas de uma maneira diferente. 

-Eu sei o que quero, e não quero ser advogada. 

-Ainda tem dois meses para decidir querida mas a opção que envolver o GOECTI está descartada.

-Sou maior de idade eu decido o que faço ou não. 

-E eu mando aqui e decido quem entra ou não.

-Isso é injusto. 

-Quer falar de injustiças comigo Aurora ? Pela segunda vez eu quase a perdi, não deixarei a possibilidade de uma terceira acontecer, isso eu não vou deixar. 

- Tenho o direito de viver a minha vida. 

-Isso não é viver Aurora, estará o tempo todo correndo riscos de morte quero que você seja normal.

-Eu não vou ser normal. - Grito. - Por toda minha vida era a única coisa que eu desejei mas não posso, não consigo apagar os últimos meses Tia Sara, não entende ? Não tem como ser normal depois de uma experiência como essa, não existe essa possibilidade para alguém como eu, estou tão suja nessa histórica como você está, como os meus pais estiveram. 

- E eu irei limpá-lá, nem que seja a última coisa que faça. - Antes que pudesse responder uma batida na porta rouba atenção, Tia sara vira o rosto em direção a porta e permite a entrada, com esforço ergo-me na cama e consigo ficar sentada, é quando percebo que não estou usando o macacão azul escuro do GOECTI mas o vestido branco da enfermaria. 

    A doutora Rose aparece do outro lado da porta parecendo sem jeito, Tia Sara ergue a sobrancelha dando incentivo para que ela fale e ela junta as mãos atrás do corpo. 

- Desculpe a interrupção comandante mas o jovem está piorando, os antídotos não estão funcionando, o veneno é desconhecido nessa região e não conseguimos contatar um especialista do norte. 

- Que menino você ta falando ?- Pergunto, não pode ser ele, por favor não seja Charlie. 

- Não conseguem neutralizar as toxinas ?

-Já tentamos senhora mas é inútil, ele morrerá em poucas horas os rins e fígado já começaram a falhar. 

- Tem que ter alguma coisa que possamos fazer.

-Não temos senhora, nossos recursos já se esvaíram o GOECTI comporta os melhores médicos do país e nem um deles conseguiu fazer nada, ele morrerá em algumas horas mesmo se os aparelhos continuarem ligados. 

- Quem vai morrer ? - Pergunto.

- Charlie querida. - Que seja outro, por favor. 

- O irmão de Ashe ?

- Levou dois tiros no tórax, seria uma cirurgia fácil mas as balas continham veneno, um veneno estranho do norte que desconhecemos o antídoto e reage aos medicamentos que temos. 

- Preciso vê-lo. 

-Você precisa descansar.

-Ele vai morrer! Eu preciso vê-lo agora! - Tia Sara pede a doura Rose que traga uma cadeira de rodas, descubro que minha mochila estivera no chã ao lado da cama o tempo todo, ela coloca sobre minha pernas e saímos do quarto de Otto em direção ao elevador, Tia Sara aperta o quinto andar em direção a enfermaria e descemos, por que isso está acontecendo ? Por que sou tão azarada a ponto de matar todos os irmãos mais velhos das pessoas que amo ? 

    Tia Sara conduz a cadeira de rodas pelo corredor da enfermaria, os quartos estão superlotados, pessoas correm por todos lados com carrinhos de emergência ou verificando os pacientes, nunca vi tantos meninos juntos em toda minha vida. 

- A maioria tem queimaduras graves e outros anemia forte mas ficarão bem.

   Tia Sara me guia até a ala de terapia intensiva, a mesma que Tina esteve e que também está lotada, quando entramos vejo uma figura usando azul escuro de plantão sobre a cama de Charlie, Otto. 

- Eu prometo cara. 

- Comandante Breslau. - Diz Otto com um aceno de cumprimento e em seguida olha para mim -  Com todo respeito senhorita Richards mas o que está fazendo aqui ?

- Eu preciso vê-lo.

-Não é um bom momento.

- Será quando ele estiver morto ? 

- Aurora! - Repreende-me Tia Sara mas a ignoro. 

- Essa é a moça que a salvou ? - Pergunta Charlie com a voz embargada.

- Sou. - Digo alto, tento me levantar mas minhas pernas tremem e Tia Sara me impede de cair no chão da UTI, Otto se levanta da cama de Charlie e me ajuda a sentar em seu lugar.  Encaro o jovem deitado a minha frente, tão magro e provavelmente desnutrido, a pele amarelada devido ao fígado quase morto e os olhos cansados fazem meu coração afundar. 

- Então você é a tal da Aurora. 

- E você o tal do Charlie. 

-Parece que fui o grande motivo da missão de vocês. 

- Ela não esqueceu de você.

- O agente me Brown me disse, parece que temos algo em comum senhorita Richards. 

- Parece que sim.

- Ela esta feliz, Ashley ? 

- Não ficará depois de hoje. 

- Sou grato pro tudo que fez por ela, por tê-la acolhido e cuidado dela. 

- Ela é como uma irmã pra mim. - Digo.

-Parece até uma ironia  - Diz Charlie sorrindo amargo. - Tantas tentativas de fuga para acabar morrendo no dia que sai, a vida é uma merda. 

- Parece que é. - Concordo e ele me encara, seguro olhar pacato e não digo nada, o quarto se torna silencio e instantes mais tarde Charlie se pronuncia. 

- Poderia me fazer um favor ? Quando eu... Quando eu morrer diga a ela que eu amei e me perdoe por não tê-la salvo.

- Por que você mesmo não faz ? - Ele me encara, encaro Tia Sara e peço o telefone, Joana atende e peço para Ashe pegar o telefone. 

- Rora ? 

- Ashe você vai falar com Charlie ta bom ? 

- Ta bom. - Responde com a serenidade e a animação que só Ashe possui, como se ela fizesse aquilo todos os dias. Passo o telefone para Charlie e a doutora Rose o ajuda a segurar o aparelho, ele sorri e deixa uma lágrima fugir quando ela o chama do outro lado da linha.

- Oi pequenina, sentiu saudade da minha voz ?  - Ele tosse uma segunda vez e sorri. Encaro Tia Sara e peço a mochila, Otto a pega da cadeira e me entrega, retiro meu celular, procuro um foto de Ashe recente - Me disseram que você é uma garota corajosa. -  Deixo o celular na mão de Charlie e peço para Otto me ajudar a descer da cama - Eu vou morrer e eu queria ver você. Sinto muito por não tê-la salvo pequenina. Pode me fazer um favor ? Não esqueça nunca que eu amo você ta bom ? Amo muito. - Os sons do aparelho começam a despertar, o coração esta parando,  ele deixa o celular cair no chão da sala antes que a chamada termine, tento forçar o ar pelos pulmões e ficar calma, ele não conseguiu ver a foto de Ashe,  Charlie morreu as cinco horas e trinta minutos da tarde daquele dia nublado de agosto. 






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