sábado, 31 de outubro de 2015

Capítulo 25. Origens


     Depois que Ashe foi interrogada e levada para a enfermaria, Miranda disse que ela tinha medo que eu descobrisse seu machucado na cabeça, as outra meninas contaram que ela ficara  isolada por ser considerada "louca", nunca fiquei tão indignada e triste como estou agora, sei que ela é completamente sã de suas faculdades mentais, sei que ela é a criança mais doce e gentil que já tive o prazer de conhecer, por que dar a ela esse tipo de tratamento ?  

       A minha frente, a atenção dos agentes está voltada para Érica, Margo me cutuca de leve.

   - Eu não sei qual o tipo de laço que surgiu entre você e aquela menininha, mas sei que aqui existe um equívoco assim como você também sabe, ela não apresentou sinais de esquizofrenia  quando estava com você, apresentou ?  -Nego com a cabeça - Ela ficava agitada por nada ou dizia e fazia coisas absurdas ? 

  -  Não, só agia como uma garota de sete anos, ela é mais inteligente que muitas que estão sentadas aqui o que acho injusto, é que deram a ela um  tratamento cruel porque ela era  sonhadora.

 Relaxa, vão cuidar dela e você prova para todos o quão errado eles estão, já fez isso uma vez, sei que vai fazer novamente. - Dou um sorriso amarelo para Margo que me retribui e assim como todas, volto a prestar atenção no que Érica tem a dizer. 


-  Samanta, Luana, Bárbara,  Ana, Amanda, Vanilly, Vanessa  Ellie, e eu éramos da mesma instituição, desde pequena sempre conheci Vanilly e Ellie, sempre fomos órfãs mas em um noite de inverno todas as luzes foram apagadas de repente, estávamos na cama e achávamos que fora apenas uma queda de energia, mas então ouvimos os gritos do quarto ao lado o desespero tomou conta do local, não tinha como sair pela janela porque estávamos no terceiro andar, então vieram os barulhos de tiro, arrombaram a aporta, estava escuro de mais para enxergar alguma coisa, eles atiravam diversas vezes para cima e gritavam para que  a gritaria que se instalou cessasse, outros agrediam sem piedade qualquer uma que tentasse reagir, nos colocaram e fila indiana e nos mandaram descer as escadas, fomos em direção ao saguão e várias outras meninas também estavam lá, desde as pequenas de três quatro anos até mesmo os bebês que aguardavam na fila de adoção. 

- Está nos contando que uma quadrilha invadiu um abrigo de meninas e ninguém nunca descobriu ? - Pergunta a agente Roberts.

- Sim, e eu lembro de ter pensado: "Onde está esse tal de GOECTI quando se precisa dele ?"  Vendo tantas meninas com medo e chorando no escuro, só tive certeza de que vocês não passavam de uma organizaçãozinha de faxada midiática, asseguravam segurança quando tinha tantas crianças prestes a se tornar sabe Deus o quê.  

 -Estamos aqui agora senhorita. - Tia Sara a interrompe.

- Mas antes não estavam. 

- Senhorita, continue. - Pede a agente Roberts.

- Nos dividiram por idades, eles tinham cerca de cinquenta e sete crianças, setenta e duas adolescentes, noventa e quatro pré adolescentes e quase quarenta bebês.

- Como sabe os números com precisão senhorita ? - Pergunta o  agente Alter.

- Porque quando o Monstro queria, quando ele queria... Sempre que alguma de nos fazia algo de errado, ele nos agredia e me levava com ele, ele me abusou das piores formas possíveis, algumas vezes, ele me levava pro que eles chamavam de "gabinete" uma sala nojenta e asquerosa onde eles guardavam um monte de pastas com informações sobre cada garota que eles pegaram. Ele me disse os números e disse o que ia acontecer com cada garota que eles haviam pego. 

- O que aconteceria com essas garotas ? - Pergunta Antonie.

 - Nos classificaram e nos colocaram dentro de caminhões de carne, com três rodas, eu e mais várias outras meninas da minha idade, as crianças foram em outro e os bebês... Foram em um especial, porque são mais caros. Quando chegamos no maldito hospital, nos fizeram ficar de pé a noite toda, sempre que uma criança chorava porque estavam com medo ou com frio eles atiravam para cima, nunca tantas meninas ficaram caladas por tanto tempo. Então nos classificaram, pegaram seis meninas que tinham idades de sete a dezessete anos e formaram um grupo com treze, os grupos foram sendo formados e como eu tinha treze, e elas também- Érica aponta para as Ellie, Vanilly e Vanessa -  Nos colocaram no mesmo grupo só que com cinco crianças de três, nos mandaram  pra um quarto e ficamos lá. 

- Quantos anos tem agora senhorita ? - Pergunta o agente Alter.

- Dezessete. 

- Era só você ou mais alguém do grupo também era violentada ? - Continua o agente. 

- Apenas eu, ele nos dizia que sempre que chegasse uma garota nova e ela apresentasse sinais de doenças ou qualquer outra coisa que nos prejudicasse eu arcaria com as consequências, e eu já arquei com muitas consequências. 

- O que seriam essas consequências ? - Pergunta a agente Roberts.

- Olha, é o seguinte, tem cinco crianças aqui dentro e seis garotas da minha idade me encarado, eu não vou dizer isso na frente delas porque eu tenho vergonha, se você quiser me chamar pra conversar quando estivermos só nós duas beleza, caso contrário e melhor esquecer. 

- Roberts, não precisamos de detalhes, continue senhorita. - pede minha tia. 

- Um vez, quando Monstro estava bêbado e ele foi me buscar, disse que estávamos num hospital abandonado, disse que se eu ousasse fugir levaria tiros porque em cada entrada e saída tinham homens com armas prontos para atirar em qualquer coisa que se mexesse no raio de um quilômetro, e que já havia me comprado, que assim que as outras fossem despachadas meu destino seria diferente, eu iria pra casa dele e não para um bordel em Korn. 

- Korn ? - Pergunta Antonie.

- Sim Korn. Ele tentou tirar a roupa dele mas caiu dormindo antes que a calça pudesse ser abaixada, isso me deu tempo, então peguei a primeira pasta amarela que vi, estava escrito que na mesma noite que atacaram o abrigo que estávamos, no sul, atacaram um para meninos no leste, eles foram enviados para campos de trabalho e tinha outras coisas a respeito mas não consegui entender, não tinha luz e ele me flagrou. 

- Sabe como retornar a esse hospital ? - Otto pergunta. 

- Não, mas sei que todos acham que eles está desativo devido aos riscos de radiação.

- Algo a mais que gostaria de falar ? - Otto continua.

- Depois do que ouvi aqui, vindo delas principalmente - Érica aponta para Margo e para mim com um gesto com a cabeça - Posso afirmar que se eles descobrissem que Aurora Richards estava se passando por uma órfã ela nunca teria aberto os olhos, e a boca dela estaria com mais formigas que um formigueiro. 

- Como tem tanta certeza ? 

- Por que tinha uma foto da mãe dela em tamanho poster numa das paredes daquela sala, e na foto tinham algumas facas grudadas, Monstro me pegou observando a foto e sabe o que ele disse Aurora ?- Érica me encara - Disse que aquele era o alvo de dardos deles,  disse que se tivesse um minuto a sós com a filha da desgraçada que arruinou os negócios deles a primeira coisa que ele iria fazer era arrancar todos os seus dedos, fique a vontade para imaginar o resto mas o final seria apenas um, você morta. Por isso que naquela noite quando você disse quem era  eu não fiquei com raiva como algumas aqui, muito menos com rancor por você ter mentindo, eu só consegui pensar que você era uma desgraçada de sorte. - Érica dá um sorriso e continua a me encarar, a certeza dos meus medos se tornarem realidade e a confirmação de que eu estava andando por trás linhas inimigas, se não tiver em quem confiar é melhor confiar em si mesma por via das duvidas. 

- Mais alguma coisa senhorita ? - Pergunta o agente Alter, Érica nega com a cabeça e ele se vira para Miranda e a moça grande que estão do mesmo lado - As últimas, qual de vocês quer ir primeiro ? - Miranda levanta a mão e ele faz um gesto positivo com a cabeça. 

- Meu nome é  Miranda Rose Blue e sou da cidade de Redmos ao sul, minha mãe morreu de câncer quando eu tinha dez anos e eu só tinha o meu pai, era meu aniversário de dezesseis anos quando ele ligou avisando que iria se atrasar para o jantar, ele era arquiteto e estava responsável por alguns projetos ao norte da cidade, então só estávamos meu gato e eu em casa, fui atrás dele para que ele pudesse comer e o encontrei com a cabeça arrancada, o corpo estava pendurado no lustre e a cabeça estava num jarro de flores que ficava de frente ao retrato da minha mãe. Ágata, uma maluca que nos vigiava enquanto ficávamos no sol,  apareceu na cozinha e começou a rir, ela apontou uma arma para mim e atirou na minha mão esquerda - Miranda levanta a mão com uma cicatriz feia no centro - Monstro estava escondido atrás da porta da frente, dois caras entraram usando toucas na a cabeça, ela passou uma fita na minha boca e me colocou de joelhos de frente a porta da frente e quando meu pai chegou Monstro disparou na cabeça dele, e os dois caras também, explodiram a cabeça do meu pai como se fosse uma bexiga de sangue e me obrigaram a  ver tudo, antes de me apagarem Ágata me olhou nos olhos e me desejou feliz aniversário, depois me deram uma coronhada e quando acordei estava naquele inferno.

Sinto meu estômago se revirar, ver o pai ser morto deve ser a pior castigo que alguém poderia receber pobre Miranda.

- Quantos anos tem agora senhorita ? - Pergunta minha tia. 

- Faço dezoito em dois meses. 

- Algo a acrescentar ? 

- Quero participar da operação, quando vocês forem buscar aqueles dois demônios eu quero ir, quero atirar nas mãos deles e perguntar se é gostoso. - Minha tia Sara ergue a sobrancelha e olha para Antonie. ela está prestes a negar o pedido quando Miranda volta a chamar atenção - Eu quero me tornar uma de vocês, eu nunca quis tanto uma coisa quanto quero isso, por favor senhora Breslau, me mande para ser treinada. 

- Não é assim tão fácil senhorita, você precisa passar por uma prova técnica e em seguida por um teste físico para poder ser enviada pra qualquer centro de treinamento. 

- Diga o que eu tenho que estudar que eu estudarei. 

- Não estamos aqui por vingança senhorita, e sim por justiça. 

- É tudo que eu quero, durante todo esse tempo, sempre foi o que eu quis, por favor, estou morrendo sufocada por tanta injustiça, deixe-me fazer parte daqueles que podem ajudar os outros. 

- Conversaremos mais tarde. Algo a acrescentar ? - Pergunta minha tia.

- São quatro horas de distancia do hospital que estávamos até o lugar para onde aconteceria o leilão.

- Como  sabe disso ? 

- Quando estávamos entrando no caminhão, ouvi Monstro dizer isso ao motorista. E sei que não tinha escoltas porque se escutei direito, os meninos estavam fazendo algum tipo de rebelião nos campos de trabalho e eles precisavam de reforços ao norte e estávamos indo para o sul.

- Tem certeza disso ? - Pergunta o agente Rian

- Absoluta. 

- Isso será analisado. - O agente Rian diz, Miranda concorda com cabeça - E eu sinto por seu pai. - Ele conclui, vejo as lágrimas caírem sobre o rosto dela, na primeira vez que a vi, nunca havia imaginando estar presente no dia que ela fosse desabar, ela tenta esconder as lágrimas mas é inútil. 

- Posso me retirar agora ? 

- Desculpe mas ainda ...  - Minha tia tenta falar mas é cortada pelo noivo.

-Vá - Diz Antonie - Ela já deu o que precisávamos, só existe apenas mais uma garota e tudo estará acabado, por que mantê-la aqui ? Todos temos nossos mortos para chorar, e você ainda não chorou pelos seus, se quiser ir vá, o almoço será servido  a uma e meia. - Miranda se levanta e vai para a porta sem olhar para trás, minha tia olha severa para ele, que dá de ombros - Precisei fazer isso. 

- Então agora é minha vez ? - É  a primeira vez que Ela abre a boca desde que entramos, os hematomas no rosto estão mais claros, mas isso não quer dizer não doam, o agente Rian que tem aparência asiática concorda com a cabeça. 

- Quando quiser começar senhorita. - Ele diz, todos olhamos para Ela.




domingo, 18 de outubro de 2015

Capitulo 24. Origens.



    Assim que as palmas sessam minha tia me lança um sorriso breve e sibila um " Estou orgulhosa" , nunca passou pela minha cabeça que um dia ela ou os agentes do GOECTI poderiam aplaudir minhas ações, muito menos Otto.
  
   Evito olhar para ele enquanto a agente Roberts volta a falar. 

- Seguindo a ordem, senhorita Banson, pode imaginar o motivo da sua presença entre nós ? 

-   Sim, a senhora Breslau deixou bastante claro quando cheguei. 

- Espero que esteja mais calma. 

- Já sim senhora, obrigada. 

- E o que tem a nos dizer ? 

- Primeiro que estou orgulhosa por ser amiga da senhorita Richards, ela é a pessoa mais corajosa que tive a honra de conhecer. 

- Não sou não - Digo baixinho.

- Você é  Richards, não são nossos sentimentos que nos tornam fortes, mas nossas ações, estou feliz por você estar viva.

- Eu também - Sorrio. A agente Roberts pigarreia, está ficando impaciente, Margo a encara e dá de ombros.

- Eu precisava dizer. 

- Continuemos sim? Senhorita Banson, o que aconteceu no dia que a senhorita Richards foi a sua casa ? 

- Vimos alguns filmes e de repente escureceu, o celular dela estava descarregado e ela não conseguia encontrar o carregador, então  me ofereci para chamar um táxi, fomos para a varanda esperá-lo chegar, de repente os faróis do nos cegaram enquanto íamos em direção ao carro, quando percebi que o carro não era branco nem amarelo, não existem táxis de cor azul, então olhei para o motorista e ele estava com uma toca sobre a cabeça cobrindo seu rosto deixando apenas os olhos e a boca descobertas, então gritei para que Aurora corresse e eu fiz o mesmo, mas eles já tinham aberto as portas do passageiro e as traseiras, tentei correr para dentro da minha casa mas alguém segurou meu cabelo antes que eu fechasse a porta, me deram um soco e caí, bati a cabeça na porta e senti tudo ao meu lado estremecer, minha visão ficou turva e lembro que não conseguia mexer a pernas, então fechei os olhos, eles acharam que eu estava inconsciente então me pegaram no colo e me colocaram no banco traseiro, ouvi o barulho do porta malas sendo fechado e em seguida alguém sentou ao meu lado, a porta foi fechada e eles deram a partida no carro. 

    "Não sei por quanto tempo rodamos mas ouvi quando o motorista gritava com o homem ao meu lado, ele queria saber qual delas era a encomenda e qual seria entregue. No começo não fazia ideia  do que isso queria dizer, mas eles começaram a gritar uns com os outros, foi ai que abri meu olho esquerdo que estava inchado e vi que tinha uma menina inconsciente ao meu lado, ela usava uma blusa branca, fechei o olho antes que fosse pega mas ela não teve a mesma sorte, eles perguntaram seu nome e ela se recusou a dizer, o motorista  parou o carro e a puxaram para fora. Não sei dizer o que aconteceu mas tinha muita gritaria, não ousei abrir os olhos para descobrir, quando eles retornaram ela já não se mexia, abri o olho novamente e a vi inconsciente, o rosto estava cheio de hematomas, eles diziam que tinha que se livrar da ruiva, não sei o que aconteceu comigo, não consegui me controlar esquecer de fechar o olho, eles me flagraram com o olho aberto e o que estava ao meu lado segurou no meu pescoço, ele cuspiu no meu rosto e me xingou, um deles sugeriu tirar a minha roupa e... - Vejo as lágrimas surgindo, em seu rosto, Margo se livra delas antes que elas escapem descontroladamente por seu rosto - Eles param o veículo, o homem ao meu lado me puxou pelo cabelo e caí do carro, vi que ele estava segurando uma arma, queria correr mas seria morta sem conseguir ir muito longe, então ele me forçou a ir pra uma parte distante do veículo estava muito escuro e ele me agrediu, socou meu rosto várias vezes e usou a arma para me dar coronhadas, quando caí no chão fui reerguida pelo cabelo, ele me mandou parar de chorar e atirou no meu pé, senti uma dor avassaladora reverberando por todo meu corpo, de repente fui empurrada, caí para trás e não consegui parar de rolar, ouvi quando a arma fez mais disparos mas nem um pegou em mim. De repente não consegui enxergar mais nada, quando acordei estava no hospital. 

- Em algum momento ouviu o que ia acontecer com a garota ao seu lado ? - Perguntou a agente Roberts.

- Não senhora, mas acho que o plano era entregar uma e executar a outra, não sabiam o que fazer comigo então me descartaram na vala mais próxima. 

- Por que acha isso ? - Agente Roberts a encara, parece  desconfiada, acho que é paga fazer questões e desconfiar de tudo, eu faço isso de graça. 

- Por que pelo que acabei de ouvir, e pelo que vi, alguém queria a senhorita Richards morta, e alguém queria mais uma garota para completar o lote. 

- É uma conclusão mutua. - A gente Roberts pondera, ela faz um gesto negativo para minha tia Sara que encara os de mais agentes. 

- Alguém mais tem alguma pergunta para a senhorita Banson ? - Os agentes negam com a cabeça. - Muito bem - Tia Sara olha em minha direção, mas não me encara está  interessada na figura sentada no meu colo. - O que aconteceu com seus pais senhorita ? 

- Eu não sei - Responde Ashe, calma. 

- Não acha mais confortável sentar-se numa cadeira do que no colo de alguém ? 

- Se eu for pra longe Aurora vai chorar, ela precisa de mim. - Tento segurar o riso, olho para Margo que ergue uma das sobrancelhas e dá um sorriso singelo. 

- Entendo... Pode me dizer como foi parar lá ? 

- Eu estava na casa da avó, estava de noite e ai Charlie estava no mesmo quarto que eu e ai... 

- Quem é Charlie ? - Pergunta a agente Roberts.

- Meu irmãozinho. 
- Quantos anos tem seu irmão ? - Pergunta tia Sara. 

- Eu não sei. 

-Não sabe quantos anos tem seu irmão ? 

-Não. 

- Era mais velho que você ? 

-Sim. 

- Mais alto ?

-Sim.

- Olhe a sua volta, quem de nos seria da altura de Charlie ? - Ashe ignora as meninas que estão ao nosso lado, seu braço se ergue e seu dedo aponta direto para Otto. 

- Então ele era bem grande  - Conclui minha tia.

-Sim. 

- O que aconteceu com Charlie ? 

- Não sei. 

- O que mais lembra da última vez que viu Charlie ?

- Não sei. 

- Não sabe ? 

- Não. 

- Não consegue lembrar da última vez que o viu ? - Pergunta a agente Roberts e Ashe nega com a cabeça. 

- Eu só lembro de barulhos atrás da porta, não conseguia dormir e Charlie se levantou, ai ele colocou um  cobertor na minha cabeça e me mandou ficar quieta, ai ouvi mais barulhos e tirei o cobertor, ai  entraram no quarto e bateram muito nele, e ai  eu corri para não baterem nele então bateram em mim, ai doeu muito, ai tudo ficou tudo preto ai quando acordei estava lá. 

- Lembra-se do rosto da sua avó ?

-Não. 


- Lembra da casa onde você morava com a sua avó ? - Ashe nega com a cabeça - Preciso que fale senhorita -  Pede tia Sara.

-Não. 

-Diga-nos, como se chama ? 

- Ashe. 

- Ashe ? - Pergunta minha tia.

- Ashe de que ? - Pergunta a agente Roberts

-Ashe. 

- Não sabe seu sobrenome ? - Pergunta minha tia.

-Não. - Minha tia encara a agente Manson que se encosta na mesa. 

- Como sabe que seu nome é Ashe ? - Pergunta a agente Manson.

- Charlie disse para mim. 

- Lembra-se de quando Charlie disse isso ? 

- No dia que bateram nele. 

- Quem mais a chamava assim ? - A agente Roberts a encara.

- Não sei. 

-Como sabe que tem sete anos? Charlie disse isso também? - Pergunta tia Sara, estão todos a encarando, reconheço esses olhares estão interessados nela, como se fosse um animal raro.

- Disseram quando ela chegou - Érica entra na conversa - Ela estava inconsciente, a cabeça dela sangrava muito e a boca também, acharam que ela iria morrer, lembro que Monstro disse que iria perder uma de sete anos e que iriam desová-la próximo a um hospital infantil. 

- Alguém aqui pode confirmar sua versão senhorita ? - Pergunta a agente Roberts, Vanilly, Ellie e Miranda levantam a mão.

- Alguma coisa a acrescentar ? - Pergunta a agente Roberts

- Disseram que se  ela sobrevivesse iria ficar louca . 

- EU NÃO SOU LOCA! - Ashe berra, vejo sua respiração acelerada - Eu não sou loca Aurora. Ela me encara, vejo as lágrimas se acumulando em seus olhinhos castanhos. 


-Você não é - Confirmo. 

-  Você disse que não se lembra da sua avó, não tem nem uma outra recordação desse seu irmão Charlie que não seja a da noite que bateram nele, mas lembra-se de Aurora, e da história da mãe dela. Pode nos dizer como ? - Pergunta o agente Alter se pronunciando pela primeira vez. 

- Eu não sei, eu só sei quem ela era, só sabia que a mãe dela era Heloise Richards.

- Quem contou pra você a história da mãe dela? 

- Eu não sei. 

- Como conheceu a Aurora ? 

- Eu via ela na TV e achava que era uma princesa, ai a moça da TV dizia que ela era a filha da Heloise. 

- Onde você viu TV ?

- Na hora de comer. 

- Conheceu Aurora quando já estava com as outras meninas?  

- Não, eu sempre conheci ela. 

- Como você conheceu ela ? 

- Eu não sei, só sei que ela parecia  na TV.

- Então, você lembra do rosto dela especificamente, mas não consegue lembra do rosto da sua avó ? 

-É.

- E do rosto desse Charlie, você lembra ?

- Cabelo castanho e olhos castanhos, mas alto que Érica.

- Do rosto senhorita - Enfatiza o agente.

- Esse é o rosto dele. 

- Ela é louca - Ouço Bárbara falando baixinho, talvez seja esse o motivo dela estar sempre longe das outras meninas.

- Esse não é o rosto dele - Diz o agente.

- É sim! 

- Preciso que me conte a verdade senhorita, Charlie existe ? 

- Sim! Ele é meu irmão e disse que ia sempre me proteger. - Vejo a agente Manson encarar o agente Alter, ele acena a cabeça concordando com alguma pergunta silenciosa a base de olhares. 

- Tem alguma coisa que você queira me dizer ? - Pergunta o agente numa última  tentativa de arrancar o rosto de Charlie da mente dela.

- Eu tenho um segredo. 

- Você pode me dizer o seu segredo ? - Ashe acena com a cabeça, ela desce do meu colo e vai até ele, ela divide o cabelo no meio e fica de costas para ele, não consigo ver o que é, mas ele chama a agente Manson para olhar, ela analisa seja lá o que for na cabeça de Ashe e em seguida se volta para minha Tia. 

- Preciso levá-la para o setor médico.

- É muito grave ? 

- Eu acredito que seja Comandante, estamos nos dando com uma perda da memória parcial e temos uma ferida aberta que precisa de cuidados. - Minha tia faz um sinal positivo e a agente Manson a leva embora, Ashe acena para mim quando passa pela porta.

- Esteve esse tempo todo com ela e não sabia que ela estava machucada senhorita Richards ? - Pergunta o agente Alter. 

 Sinto um peso em meu coração, como pude ser tão egoísta e deixar algo como isso passar despercebido diante de meus olhos todo esse tempo ? Será que ela sente dor ? - Não. - Digo finalmente. 

- Todas nós sabíamos da ferida, menos ela. - Miranda conta. 

- E por que você não me contou ? Esteve esse tempo todo comigo  não disse que ela estava machucada! 

- Ela estava com medo não percebeu ? De você ter nojo dela ou achar que ela era louca.

- Da mesma maneira que todas vocês fizeram até eu chegar? Não me admira que ela tenha preferido ficar sozinha.

 - Não podíamos arriscar ficarmos doentes, você sabe disso - Érica parece fria a tudo a nossa volta, se Ashe fosse Ana ela não teria a deixado isolada. 

- Você parece saber de muita coisa senhorita, por que não conta como chegou lá? - Érica encara a agente Roberts e sorri. 

-Vai ser um prazer.




segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Capítulo 23. Desculpe Por Não Ser Igual a Ela

  
    O mundo parece ter ficado em câmera lenta. Nem nos meus piores sonhos poderia imaginar Margo Banson num estado como aquele que meus olhos presenciam, o cabelo preso num rabo de cavalo alto, usando as roupas da escola, o rosto tão vermelho quanto suas madeixas, o rímel escorrendo por suas bochechas, o nariz vermelho escorrendo, ela era um tomate ambulante, vê-la daquela forma era o mesmo que ver um elefante a deriva num iceberg, improvável e impossível.

     Levanto-me vacilante e vou em sua direção, mas sou   puxada de repente para esquerda e dois braços  se enroscam  em meu pescoço antes que consiga chegar até ela. Antonie beija a minha cabeça e sinto o ar fugindo dos meus pulmões. 

- Meus Deus, estou tão feliz de vê-la com os olhos abertos Aurora -  Quando finalmente consigo me soltar encaro Antonie que sorri para mim, devolvo o sorriso e o beijo na bochecha, me distancio um pouco e chego mais próximo da porta, onde ela permanece, Margo está com os olhos arregalados e continua chorando, penso em algo para dizer mas meus pensamentos se perdem em coisas diferentes e se recusam a me ajudar, chego mais perto e a encaro. 

- Oi - Digo antes de meu equilíbrio vacilar, Margo pula em cima de mim e me sinto levemente sufocada.

- MEUS DEUS RICHARDS! MEUS DEUS! EU ACHEI QUE VOCÊ ESTAVA... QUE VOCÊ ESTAVA... COMO... como é possível ?  - Passo os braços por sua cintura e respiro profundamente, não vou chorar, não vou chorar... Prendo a respiração e conto até dez. Um... Ela está bem, Dois.... Ela está bem, Três... Ela está bem... Quatro... Ela está bem.... Cinco... Ela está bem, repito o pensamento como um mantra até chegar ao dez, a abraço com toda minha força, sinto suas lágrimas em meu pescoço e acaricio-lhe o cabelo, ela me solta e me encara - Por que não diz alguma coisa ? Onde  esteve e por Deus o que aconteceu ?- Meu corpo parece vacilar, por que a trouxeram aqui ? Estão todos nos encarando, por que uma cena como essa na frente de todo mundo? -  Richards fala comigo! - Margo me tira dos meus devaneios, acho que ela estava perguntando algo. 

-  Não estava respirando direito - Solto, porque foi a única coisa que veio  a minha cabeça.

- O que ?

- Você me apertou com força, não consegui respirar, o ar sumiu do meu cérebro. Não me bombardeie com perguntas quando não tenho oxigênio nos pulmões. 

-  Desculpe é que...

- Terão tempo o suficiente para conversarem mais tarde, por que não voltamos para nosso objetivo aqui dentro ?  - A agente Roberts chama nossa atenção, percebo que todos estão nos olhando, menos Otto  que continua fitando  as cadeiras vazias a frente, Margo cora e eu olho involuntariamente para meus pés com gaze - Se puderem por favor sentarem-se para que possamos iniciar ficaríamos completamente agradecidos. - Levanto a cabeça e vejo que Antonie está sentado no lugar que eu estava, só restam duas cadeiras no final que, infelizmente, ficam de frente para Otto. Respiro fundo e sigo para o final da mesa com Margo me seguindo, ela senta na cadeira que eu iria sentar e  acabo com o assento mais privilegiado. 

      Ele está com os braços cruzados e recostado em seu assento, a mesa redonda dá a falsa impressão de igualdade entre os lugares, onde todos podem ver todos, mas sabemos que existem as linhas invisíveis dos olhares, e as minhas linhas me levam em direção a dois lindos olhos castanhos e braços musculosos, mas de que adianta ser tudo de bom quando uma parte ruim estraga o todo ? 

    Forço-me a encarar a agente Roberts ao lado esquerdo dele. Dessa vez, o agente Rian se levanta e arruma o gravador no centro da mesa. A voz de minha tia Sara ecoa pela sala.

- Deve estar se perguntando o motivo da presença da senhorita Banson entre nós, entenda que precisávamos álibis em seu depoimento e assim como você é o dela, ela será o seu, então por que não compartilha com todos nós o que aconteceu naquele dia ? - Fito minha tia Sara, sinto o peso de vários olhares sobre mim, é desconfortante. Encaro as minhas mãos e me permito viajar até o passado mais uma vez. 

- Quando saí do colégio..  

- Olhe para frente, fale alto. - A agente Roberts me interrompe, a encaro e elevo o tom da minha voz. 

- Quando saí do colégio e fui para a  casa de Margo passamos o dia vendo alguns filmes e de repente escureceu, meu celular descarregou e eu não sabia o número do meu motorista, então ela se ofereceu para chamar um táxi, esperamos na varanda e quando ele chegou nos cegou com os faróis, estava a meio metro do carro quando ouvi seus gritos, ela me mandou correr e as portas do carro abriram, sai em disparada para a rua mas não consegui ir muito longe, senti um puxão no meu braço seguido por uma pancada na cabeça. Quando acordei estava em um cômodo abafado e ouvi alguém chorar, estava ficando escuro e não vi todos os rostos de uma só vez, no dia seguinte um homem apareceu e... Bem, ele disse que gostava do que iria ganhar comigo, fiquei com medo, desesperada com a ideia de ser vendida então comecei a planejar uma fuga, pensei nos buracos do teto mas era uma ideia defasada, todas nós nos reunimos e começamos a discutir, então Luana disse dos caminhões... 

 - O que tinha os caminhões ? 

- Três rodas. 

- Prossiga - Contei minha versão para a agente Roberts que me interrompia vez ou outra para fazer perguntas, quando termino, ela lança uma olhar para minha tia que concorda com a cabeça. A agente se levanta e continua a me encarar 
- Como sabia se poderia ou não confiar nesse comerciante?

- Eu não sabia.

- E mesmo assim arriscou não só a sua vida  mas a vida de outras doze.

- Era nossa única esperança.

- Quadrilhas como estas tem informantes espalhados por todo o distrito, esse homem poderia ser um dos informantes, sabe o risco que correu senhorita ? 

- Sim.

- Então por que cometeu um erro tão estúpido como esse ? 

- Porque eu estava com medo, desesperada, havíamos corrido quilômetros no mato no escuro, estávamos cansadas e eu só queria achar um lugar seguro ou um telefone  - Sinto um nó se formando em minha garganta, minha imprudência poderia ter estragado tudo. 

- Pensou nas consequências dos seus atos ? 

- Não. 

- Deveria. Dar a cara a tapa sem certezas é um tanto perigoso, o caminhão poderia estar sendo escoltado, vocês todas poderiam ter morrido no processo. 

- Está insinuando que eu deveria ter ficado sentada esperando que alguém fosse me buscar ? 

-  É uma possibilidade - Ela diz fria, sinto meu sangue subir a cabeça, sinto minhas bochechas queimarem.

- Você não sabe o que está falando.

- Tenho vinte anos de experiência, eu sei o que estou falando.

- Não! Você não sabe!

 - Então por que não me diz o que eu não sei ? 

 - E o que você quer saber ? 

- Como você conseguiu chegar até aqui intacta, é um tarefa impossível, absurda quando se trata de um grupo tão grande. 

- Eu não sei! Eu apenas agi.

 - Diga-me, se algumas dessas seis crianças tivesse levado um tiro, tem ciência de que a culpa cairia para cima de uma única pessoa aqui dentro. - O mundo silencia, olho para o meu lado esquerdo, Ashe está me encarando, Miranda olha para suas mãos que estão cruzadas em seu colo, do outro lado Ana brinca com alguma coisa que Érica lhe mostra, Bárbara, Luana, Samanta e Alexia não se movem, idades entre seis e sete anos, eu arrisquei todas com o objetivo egoísta de salvar a minha própria pele, sinto o nó apertando na garganta, eu poderia ter matado alguma delas ou até mesmo todas, não pensei nas consequências apenas arrisquei a vida delas, a culpa me preenche da mesma forma que o ar entra numa bexiga, rápido e violento. 

- Como sabia que Sara iria acreditar que era você no vídeo ?

- Eu não sabia só arrisquei. 

- Você andou arriscando de mais não acha ?

- Eu não tinha outra saída.

- Sempre tem outra saída senhorita. - Meu sangue ferve, me sinto péssima, eu poderia ter matado todas elas por causa de um plano imbecil que poderia ter dado errado.

- Me desculpa se eu estava desesperada e com medo de mais pra não conseguir raciocinar direito, me desculpa se minha imprudência e minha ingenuidade não foram do nível que você está acostumada a presenciar, não sou um dos agentes desse lugar, eu não sou expert na arte de fugir, fui guiada pelo meu instinto e arrisquei a todas e eu peço desculpas a cada uma de vocês -  Levanto-me e fito Ashe do outro lado - Me desculpem por colocar a vida de vocês em perigo, por arriscar tanto sem ter certeza de que daria certo - Viro-me e olho para Érica e Ana que me encaram -  Me desculpem por não pensar nas consequências e  submetê-las a esse tipo de situação. - Tento engolir o nó preso em minha garganta, talvez se não estivesse cega por um propósito tivesse pensado direito, imaginar a possibilidade de Ashe levar um tiro me atinge como pedras e  estou sendo apedrejada por minha imaginação. Sinto-as escorrendo  por meu rosto, pequenas, quentes e translucidas, escapam como presos em fuga, não é o momento propicio para chorar, não aqui, não agora, mas não consigo segurá-las - Me desculpem por não ser igual a minha mãe. 

- Não chora! Vai ficar tudo bem - Ashe chama a minha atenção, vejo lágrimas escorrendo por seu rosto, ela se levanta e corre até onde estou, passa os bracinhos por minha cintura e me encara - Vai ficar tudo bem  - Ela diz ainda em lágrimas, passo a mão sobre seu rosto, limpo seus olhos e concordo com a cabeça, vai ficar tudo bem.

- Não entendo porque você está se desculpando, sempre soubemos que iríamos nos arriscar, sempre vão existir riscos, era uma chance e todas nós arriscamos, estávamos  cientes do que poderia acontecer - Érica está com os braços cruzados, ela me encara como se fôssemos as únicas na sala - Você nos tirou de lá, e todas aqui somos gratas a você por isso. 

- A ideia nunca foi minha, Ellie que sugeriu os caminhões... 

- De que adianta os ingredientes se você não sabe como utilizá-los Lu...  Aurora ? - Ellie me interrompe - Sugeri os caminhões mas você disse o que tínhamos que fazer, e fizemos, se não fosse por você não teríamos conseguido. 

- Todas nós nos arriscamos, poderíamos ter morrido no processo é verdade, mas não morremos, e você tem que calar a boca e aceitar que tudo deu certo, você não é a sua mãe porque a sua mãe nunca teria corrido feito uma retardada pra ver um jornal idiota, mas se eu estivesse no seu lugar e aquela fosse minha única conexão para saber o que estava acontecendo com a minha família aqui fora, eu teria feito o mesmo.  - Vanily não olha para mim, apenas encara o gravador a sua frente - Então se quer se desculpar por alguma coisa, desculpe-se por não dito verdadeiro nome quando Érica perguntou, ainda não consigo acreditar que você é realmente filha dela. 

- Eu... Acho que não posso me desculpar por ter me camuflado, se eles descobrissem quem eu era, teria morrido antes de subir no caminhão. 

- É, confesso que é um motivo razoável, mas obrigada por ter sido corajosa o suficiente e ter nos tirado de lá, você merece um pouco do meu respeito. Diz Érica.

-  Obrigada Aurora - A pequena Ana está sorrindo, Érica também sorri, ouço um obrigada uníssono e sinto minhas bochechas arderem, Miranda começa a aplaudir, Érica a segue e de repente todas as meninas a minha frente estão me aplaudindo, inclusive minha tia Sara, Antonie, e os agentes Rian, Roberts, Menson , Alter e Marvin, sinto minhas bochechas arderem em brasas e sento-me novamente, dou um olhar furtivo para Otto, que também me aplaude e pisca o olho, Ashe senta-se no meu colo a abraço forte e pela primeira vez, permito-me chorar. 

    

Leia o Primeiro Capítulo.

Capítulo 1. Uma Face Conhecida.

        Há alguns anos o país de Lori conheceu a história de uma amizade verdadeira. Graças a coragem de uma garota de dezesseis anos, outr...